Quando a música pop aderiu à moda das academias, da vida saudável (?) e dos homens musculosos
Malhar (ou ‘treinar’, como falam hoje em dia) nunca esteve tão em alta. Os ratos de academia estão cada vez mais obcecados pelo que consideram o ideal de beleza física, ainda que isso implique em ingestão de remédios, intervenções cirúrgicas e exageros que frequentemente resultam em bizarrices estéticas.
Só que, lá no final dos anos 1970, quando a geração saúde começou a surgir, quem queria estar na crista da onda tinha que fazer cooper e também frequentar academias de ginástica. Mas era mais descontraído. Não havia essa cobrança exagerada pela ‘perfeição física’ e nem a competitividade para ver quem malha mais.


Depois da revolução comportamental dos anos 1960, da descoberta e da popularização das drogas e dos excessos dos anos 1970, as pessoas passaram a querer cuidar mais da saúde e do corpo. E também, claro, exercitar o narcisismo, já que tanto o corpo feminino como o masculino passaram a ser mais expostos no dia a dia e na mídia.
No começo da década de 1980, academias começaram a pipocar mundo afora e as pessoas passaram a aderir à moda (que, na época, tinha mais ênfase na saúde do que meramente na estética.) A nova tendência ganhou espaço na TV, no cinema, nas revistas e, é claro, na música.

Até então, porém, a imagem da mulher-objeto era algo comum em filmes e revistas e já enraizado no imaginário popular. Foi quando começou-se a divulgar o homem-objeto. Na concepção da época, o sonho das mulheres era ter, a seu dispor, um homem forte, musculoso e saudável. O estereótipo do fisiculturista dos anos 1980. O curioso é que, hoje, essa estética é mais apreciada no mundo gay e pouco associada à virilidade idealizada pelas mulheres nos homens heterossexuais.

Em 1978, o Village People, no auge do sucesso e dominando as discotecas ao redor do mundo, lançou um de seus maiores hits, Macho Man. A canção celebrava o culto ao corpo masculino e satirizava o estilo ‘machão de academia’. O videoclipe mostrava os rapazes cantando e dançando enquanto se exercitavam em aparelhos de ginástica e exibiam os corpos bem torneados. Tudo com muita irreverência, bem ao gosto do grupo. A faísca estava lançada.

Celi Bee também teve seu momento de sucesso nas pistas de dança naquele mesmo ano, com Macho (A Real, Real One), um disco hit que exaltava a persona do machão conquistador e egocêntrico.

No ano seguinte, a Ritchie Family, cujo produtor era Jacques Morali (o mesmo do Village People) lançou It’s a Man’s World, do álbum Bad Reputation. Não teve o mesmo sucesso de Macho Man, mas o clipe apresentava fisiculturistas suados se exercitando entre as animadas cantoras do trio.


O próprio Village People usou e abusou do recurso de colocar homens musculosos se exercitando em trajes sumários na sequência de Y.M.C.A., no filme A Música Não Pode Parar (Can’t Stop The Music, 1980). Valerie Perrine se esbaldava com os rapazes do Village e outros homens que faziam ginástica durante o número.

Em 1980, no especial de TV Goldie & Liza, de Goldie Hawn e Liza Minnelli, Goldie fez sua versão de Y.M.C.A. No quadro, a atriz canta em um cenário repleto de homens musculosos usando shorts minúsculos e camisetas justas, malhando em aparelhos de ginástica. A moça fica empolgada com tantos rapazes sarados dando sopa. Mas, no final, percebe que não faria muito sucesso entre eles.


Essa moda atingiria seu auge em 1981, quando Olivia Newton-John deu adeus à sua imagem de garota bem comportada, cortou o cabelo e surgiu toda ‘prafrentex’ cantando Physical, que virou hit instantaneamente nos quatro cantos do planeta. No clipe, Olivia aparece como uma espécie de instrutora de vários rapazes gorduchos que, após muita malhação, se transformam em homens com corpos esculturais à la Rambo, como era o padrão da época. Todos suados e com sunguinhas cavadas, se exibindo e se contorcendo enquanto Olivia canta. O final, inusitado, tem a mesma premissa da sequência de Y.M.C.A. apresentada por Goldie Hawn: não é bem como a personagem do clipe esperava, mas é engraçado.



O álbum Physical foi um dos mais vendidos do ano e fez surgir um sem-número de outras artistas lançando músicas e clipes com homens musculosos de sunga. A obscura cantora holandesa Vanessa pegou carona e lançou Upside Down em 1982 (que, apesar do nome, não é a lançada por Diana Ross em 1980). Assim como no clipe de Olivia, Vanessa aparecia cantando, toda serelepe, entre fisiculturistas suados se exercitando de sunga.


Também em 1982, Diana Ross não ficou para trás e lançou Muscles. No clipe, fisiculturistas de sunga levantam a cama em que a cantora está, onde ela canta numa espécie de sonho com homens musculosos.


Quem também celebrou o corpo masculino e a fartura de músculos foram as espevitadas Weather Girls, com It’s Raining Men, hit de 1982 que se tornou hino gay. Como o próprio título diz, o clipe mostra uma chuva de homens, todos de sunga (mas nem todos sarados). O disco vendeu mais de 6 milhões de cópias no mundo. Nesse caso, não choveu na horta das cantoras que haviam recusado a canção antes: Diana Ross, Donna Summer, Cher e Barbra Streisand.

Em 1983 foi a vez de Miquel Brown com So Many Man So Little Time, novamente celebrando a grande quantidade de homens e o tempo que era curto para tamanha profusão de sarados característicos das academias do começo da década de 1980: loiros, morenos, latinos, cabelos encaracolados, lisos, bigode etc. O clipe mostra todos eles exibindo seus corpos de sunga e fazendo caras sérias e altamente canastronas que, hoje, de sexy não têm nada (mas provocam boas risadas).

Ainda em 1983, a música brasileira entrou na onda da geração saúde, mas sem ênfase nos músculos. Marcos Valle lançou seu álbum que continha a canção Estrelar (o compacto vendeu cerca de 90 mil cópias): “Tem que correr, tem que suar, tem que malhar (vamos lá!) / Musculação, respiração, ar no pulmão (vamos lá!)”.


Lembrando que, em 1981, Rita Lee já havia aderido à “geração saúde” (mas com mais ênfase na cuca que no corpo) com o álbum Saúde, cuja canção-título tornou-se um dos hits da cantora: “Me cansei de lero-lero / Dá licença, mas eu vou sair do sério / Quero mais saúde”.

Em 1984, Marcos Valle continuou apostando na linha saudável e lançou o compacto simples com a canção Bicicleta, que se tornou outro grande sucesso na época: “Na bicicleta, bicicleta / Eu vou pedalar minha bicicleta”.

Eartha Kitt também entrou na dança em 1984. Com quase 50 anos na época, a ex-Mulher Gato do seriado de TV Batman não se fez de rogada: gravou I Love Men, produzida por Jacques Morali, que já havia feito sucesso produzindo Village People e The Ritchie Family.


Até Agnetha Fältskog, a recatada loira do ABBA, correu atrás de um fisiculturista no clipe de I Won’t Let You Go, um de seus hits solo de 1985.


Aqui no Brasil, a banda Herva Doce também entrou na onda e lançou, em 1985, o álbum Amante Profissional. A faixa-título rapidamente tornou-se um de seus maiores hits. O clipe, muito bem-humorado, claramente copiava algumas ideias do Physical de Olivia Newton-John, e marcou época ao ser exibido no Fantástico.



