As bruxas estavam soltas na TV Manchete, em 1991, e continuam na lembrança de quem assistiu à sombria minissérie
Em março de 1991 estreou, na extinta Rede Manchete, a minissérie Ilha das Bruxas, em 16 capítulos. Com direção de Henrique Martins e Álvaro Fugulin, foi a primeira e única escrita pelo ator Paulo Figueiredo.

Inspirada na obra do pesquisador catarinense Franklin Cascaes (1908-1983), era a história dos mistérios da Ilha de Santa Catarina, envolvendo cultos de bruxas e o sobrenatural. Cascaes utilizou seu talento para registrar o universo legado pelos antigos colonos açorianos através de seus descendentes. Em sua incansável pesquisa, desenvolvida ao longo de 30 anos, preservou a memória da cultura popular da Ilha de Santa Catarina.

Os relatos documentados por Cascaes serviram de base para o roteiro da minissérie, feito por Paulo Figueiredo, com argumento de Bebel Orofino Schaefer. Várias das histórias foram sabiamente costuradas e formaram a trama de Ilha das Bruxas.
“Até a década de 1960, o inconsciente coletivo do pessoal de Florianópolis trazia incutido o medo das bruxas. Para os mais velhos, a existência delas era incontestável”, disse Paulo Figueiredo em matéria da Folha de S. Paulo (4 de março de 1991), no dia em que a minissérie estreou na TV.
O título provisório As Bruxas da Ilha foi alterado na última hora e ficou Ilha das Bruxas.


Pedro (Irving São Paulo), um jovem pescador, namora Alice (Daniela Camargo), filha de Giuliano (Eduardo Conde) e Alma (Denise Del Vecchio). A moça é neta de dona Ludovica (Miriam Pires), a dominadora e misteriosa mãe de Giuliano. Mas o jovem Washinghton (Nelson Freitas), filho do truculento agricultor Geraldo Sem Medo (Umberto Magnani) e de Aquilina (Maria Helena Dias), também é apaixonado por Alicinha.




O romance de Pedro e Alicinha é conturbado, pois o rapaz é alvo da cobiça de Selena (Dedina Bernardelli), uma jovem bruxa que sai durante a noite para enfeitiçá-lo e seduzi-lo. Aparentemente vinda do passado, Selena esconde um poderoso segredo, que faz com que ela e Pedro sejam intimamente ligados. O pai do rapaz, o doutor Benzedor (Isaac Bardavid), médico aposentado e curandeiro da região, desconfia que o filho esteja sob “influência bruxólica”.


A verdade é que, no dia a dia, as bruxas da remota ilha são mulheres comuns, esposas submissas e insuspeitas. À noite, secretamente, se reúnem para suas convenções bruxólicas e seus rituais diabólicos, regados a sangue de bebês. Ludovica é, na verdade, a líder das bruxas da ilha. É ela quem influencia Aquilina, Domingas (Desireé Vignolli) e Mariana (Ana Cecília Costa), além de várias outras mulheres do lugarejo. Revoltadas com a opressão masculina e com seu papel inferiorizante, elas se reúnem na floresta e celebram seus poderes ocultos e maléficos, enfeitiçando homens e se vingando deles.




Só quem pode desmascarar as bruxas e enfrentá-las de igual para igual são o doutor Benzedor e Constância (Wanda Cosmo), a benquista benzedeira da ilha, uma espécie de “bruxa do bem”. No meio disso, o assassinato de um velho gringo pesquisador, William (Rubens Corrêa) tem que ser solucionado. Ele chegou perto de descobrir o segredo das bruxas e acabou misteriosamente assassinado. Cabe ao frouxo delegado Leandro (Camilo Bevilacqua) a difícil missão de desvendar o crime. O filho de William, David (Leonardo Franco), e Jessica (Julia Lemmertz), a jovem viúva do pesquisador (de quem David era amante) chegam à ilha para tentar esclarecer as circunstâncias misteriosas da morte do gringo.



Apesar de sua produção modesta, a minissérie conseguiu manter um raro clima sombrio de mistério e suspense ao longo de seus capítulos, reminiscente dos antigos filmes de terror. Um feito não muito comum em séries brasileiras de TV na época. Mas a Manchete gostava de ousar em sua teledramaturgia e não poupou temas polêmicos em Ilha das Bruxas: cenas fortes, mostrando rituais de magia negra, bebês de verdade tendo seu sangue sugado, pragas das bruxas envolvendo cobras, aranhas e morcegos, cenas picantes de sexo. Tudo isso deixou a trama mais pesada, mas inegavelmente assustadora.

O elenco é ótimo. Entre veteranos e rostos pouco conhecidos, alguns jovens em início de carreira também participaram da minissérie, como André Gonçalves, em seu primeiro papel da TV, e o então novato Nelson Freitas.


