Gina: um pequeno tesouro escondido


Autora brasileira pouco lembrada hoje, ela costuma ser mencionada apenas por seu livro Éramos Seis, embora tenha diversos outros romances que acabaram esquecidos

Se eu disser o nome Maria José Dupré, é bem possível que muita gente (principalmente quem nasceu antes da década de 1980) se lembre dos livros A Ilha Perdida ou Éramos Seis. Durante vários anos, esses dois livros foram os carros-chefe da Série Vaga-Lume (coleção de livros lançada pela Editora Ática a partir de 1972, com obras voltadas principalmente para o público infantojuvenil). Maria José Dupré é a autora dos dois livros.

Lembro-me que li Éramos Seis quando tinha uns 11 anos e fiquei extremamente envolvido pela história. Alguns anos depois, em 1994, o SBT produziu a melhor telenovela do canal (na minha opinião): Éramos Seis, baseada no livro. (A TV Tupi já havia feito o mesmo em 1977, assim como a Globo produziu um novo remake da história em 2019).

Mais de 20 anos depois de ter lido A Ilha Perdida e Éramos Seis, me deparei com Gina, também de Maria José Dupré. E fiquei igualmente fascinado. Ao mesmo tempo, me dei conta de como essa grande autora brasileira é subestimada. Infelizmente as novas gerações têm cada vez menos contato com os livros e com autores antigos. A Série Vaga-Lume, tão popular entre os anos 1970 e 1990, é praticamente desconhecida dos jovens de hoje. No meu tempo de estudante, os livros da Vaga-Lume eram sempre pedidos nas escolas. Mesmo quando não eram, líamos assim mesmo.

Meu “reencontro” com Maria José Dupré não poderia ter sido mais feliz: Gina me prendeu do começo ao fim. É impossível não se sentir impelido a ir fundo na saga da personagem-título e a torcer por ela. A orelha da edição de 1978 do livro diz: “Gina é um romance chocante, humanamente chocante porque nos faz refletir sobre nossos critérios de valor. Nele, preconceitos e estereótipos são sentidos na alma e na carne de uma menina ‘ultrajada pela existência’, como diria Dostoievski”.

A descrição continua: “Este romance faz bem a todo mundo, principalmente aos que julgam as pessoas pelos atos, independentemente das circunstâncias e da influência do meio ambiente. Quem se interessa por conhecer melhor as pessoas, encontrará em Gina um manual vivo de Psicologia. Ali estão os mais variados tipos de pessoas, cabalmente descritos pela pena de Maria José Dupré que o crítico Roberto Alvim Correa colocou ao lado de Máximo Gorki”.

Assim como já havia feito em Éramos Seis, em Gina a autora consegue colocar o leitor tão perto dos personagens que é como se ele estivesse realmente convivendo naquela realidade descrita na história. Foi a mesma sensação que tive ao ler Éramos Seis. É difícil não se sentir tocado.

No artigo Livros Esquecidos II, a escritora e crítica literária Maria Lúcia Silveira Rangel explica:

Maria José Dupré (Senhora Leandro Dupré) é a nossa Margaret Mitchell. Tal como a autora norteamericana com seu livro “…E o vento levou”, a obra literária de Maria José Dupré é tão atrativa que prende o leitor até o final do romance.

Ignoro se ainda perduram ecos do retumbante sucesso literário de Margaret Mitchell, o mundo atual se caracteriza pela velocidade, valendo apenas o hoje que será obumbrado pelo amanhã inexorável.

A nossa escritora com seus inegáveis méritos parece um tanto esquecida e nada é mencionado sobre seus romances que alcançaram grande sucesso na época em que foram escritos, tendo sido “Éramos seis” transformado em novela e em filme argentino.

Seu estilo, com notável poder descritivo, a trama conduzida antes pelos diálogos vívidos que pelo aprofundamento íntimo, traduz, no entanto, uma real agudeza no que se refere ao conhecimento psicológico e à sensibilidade dos personagens.

Maria José Dupré (Sra. Leandro Dupré)

Maria José Dupré nasceu em 1898 em Botucatu (SP) e morreu em 1984 em Guarujá (SP). Sua primeira obra de ficção, publicada em 1941, foi O Romance de Teresa Bernard. Seu maior êxito literário, no entanto, continua sendo Éramos Seis (1943), premiado pela Academia Brasileira de Letras. O curioso é que, embora Éramos Seis tenha sido adaptado várias vezes para a televisão, sempre com sucesso, o mesmo não aconteceu com Gina.

Gina foi publicado pela primeira vez em 1945. Na década de 1970, já meio esquecido, o romance ganhou reedições da editora Ática e chegou a ser adaptado para a televisão em 1978, na Globo, por Rubens Ewald Filho e Sílvio de Abreu (que já haviam adaptado Éramos Seis no ano anterior para a Tupi). Mas Gina não obteve sucesso no formato telenovela devido a uma série de problemas estruturais.

O Globo, 25 de junho de 1978

O jornalista Artur da Távola, em sua coluna de 3 de agosto de 1978 no jornal O Globo, apontou possíveis causas do fracasso de Gina na TV:

O romance da Sra. Leandro Dupré está irreconhecível! Dele só restam os nomes de alguns personagens. Foi um erro colocá-lo às seis da tarde, horário no qual as mulheres têm que morrer virgens caso não casem, e caso casem será sempre a cegonha quem trará qualquer bebê ao mundo. O romance da Sra. Maria José Dupré é um flagrante ao mesmo tempo vivo e dolorido da luta pela ascensão social de um grupo pobre de imigrantes que não se dirigiu à indústria. É a saga de uma corrupção indireta em nome do amor e da paixão carnal. (…) O ambiente é outro. Os personagens diferentes. O enfoque totalmente diverso. Não era obra para as seis da tarde, horário no qual seria impossível reproduzir o clima do romance. Pode ser esta, a causa.

Mas ao mesmo tempo em que aponto falhas no roteiro, sou obrigado a admitir que o adaptador é excelente: Rubens Ewald Filho. Seu trabalho em Éramos Seis, da mesma autora, a novela realizada pela Tupi, foi primoroso! Não é, pois, um problema de incompetência do adaptador, ademais pessoa sensível e inteligente.

Para mais detalhes sobre a adaptação de Gina para a TV, acesse o site Teledramaturgia.


QUEM SOU EU

Daniel Couri, formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília, fã de cultura pop e autor dos livros Made in Suécia – O Paraíso Pop do ABBA (Página Nova, 2008) e Mamma Mia! (Panda Books, 2011). 

danielcouri@obscuradoria.com.br