Livro de Carolina Nabuco, publicado na década de 1940, foi redescoberto no final da década de 1970 e virou telenovela na década de 1980
Em 1987, uma simpática novela das 6 estreou na Globo: Bambolê, inspirada no romance Chama e Cinzas, de Carolina Nabuco. Curiosamente, apesar de leve e cativante, a novela nunca chegou a ser reprisada. (Só décadas depois foi exibida pelo Canal Viva, entre novembro de 2022 e junho de 2023).
Na esteira do sucesso de Anos Dourados (minissérie de Gilberto Braga exibida em 1986), Bambolê também se passava na romântica década de 1950 e teve uma primorosa produção, com direito a ótimas caracterizações e trilha sonora recheada de sucessos da época.



O tema de abertura, Conquistador Barato, foi composto por Léo Jaime especialmente para a novela: “Para essa música, me foi mandada uma sinopse, mas, na novela, a música tinha que ter, do início até o final do primeiro refrão, entre um minuto e um minuto e quatro segundos, o tempo de uma abertura; e, depois, contar uma história simples que tivesse a ver com a trama (…). Então fiz um rock mais clássico, como se fosse Bill Halley, e uma letra que fala de um conquistador. E tinha que encaixar o nome bambolê. Foi só no último verso que consegui. A música foi um grande sucesso. Em termos de música para a televisão, foi a mais importante que eu fiz”, conta Léo Jaime no livro Teletema Vol. 1 (Dash Editora, 2014), de Guilherme Bryan e Vincent Villari.

A adaptação da história ficou a cargo de Daniel Más, com colaboração de Ana Maria Moretzsohn. Tomadas as devidas diferenças, tanto o livro — escrito em 1947 — quanto a novela, lançada 40 anos depois, tinham o charme das tramas água-com-açúcar, com personagens e enredos atraentes.
Após o sucesso de A Sucessora (1978-79), novela também baseada em um romance de Carolina Nabuco, Chama e Cinzas ganhou nova edição e voltou às livrarias em 1979, pela editora Record. Manoel Carlos, responsável pela adaptação de A Sucessora, assinou a orelha de Chama e Cinzas: “Quando escolhi o romance A Sucessora, de Dona Carolina Nabuco, para nele me inspirar e escrever uma história de 126 capítulos, para a televisão, já contava com o seu sucesso. (…) Agora estou diante de Chama e Cinzas (…) e percebo que estou novamente diante de uma história carregada de emoções fortes (…)”, atestou Maneco. “Poucos escritores brasileiros sabem, tão bem como Dona Carolina, incorporar o leitor aos seus cenários, fazendo-o circular entre as personagens e participar de suas vidas e emoções cotidianas.”
Quando a Globo resolveu transformar o livro em telenovela, em 1987, passou a história para o final dos anos 1950 e trocou seu nome para Bambolê, entre outras mudanças. Segundo Daniel Más, o título era uma referência ao brinquedo, muito em moda na época, mas que também traduzia o jogo de cintura do protagonista da história, Álvaro Galhardo (Cláudio Marzo).

Viúvo, romântico e idealista, Álvaro se recusa a aceitar os valores de uma sociedade que ele julga hipócrita e moralista. Mantém uma relação de amizade e diálogo aberto com as três filhas, Ana (Myrian Rios), Iolanda (Thaís de Campos) e Cristina (Carla Marins). Comportamento, aliás, avançadíssimo para a época.
Fausta (Joana Fomm), cunhada de Álvaro, não concorda com a forma como ele educa as filhas. Arrogante e calculista, ela sonha com bons casamentos para as sobrinhas. Os conflitos entre Álvaro e Fausta pioram quando ele começa a se envolver com Marta (Susana Vieira), uma mulher desquitada e mãe de dois filhos. Suzana e Cláudio repetiam a química que havia dado certo no ano anterior em Cambalacho.


Outro casal repetia o sucesso que havia feito dois anos antes, em Ti Ti Ti: Paulo Castelli e Myrian Rios. No livro, a personagem de Myriam, Ana, se chama Nica.

Em Oito Décadas – Memórias (José Olympio Editora, 1973), Carolina Nabuco registra a maneira como havia trabalhado na elaboração de Chama e Cinzas. Apesar de se tratar de uma história simples, o processo de criação foi árduo: “Fui reunindo fragmentos de diálogos e títulos de capítulos, mas essas notas não passavam de lascas espalhadas. Lutava com uma grande falta de detalhes.”

Vários personagens da novela não fazem parte do livro. Enquanto Chama e Cinzas tem seu foco nas relações entre Álvaro e as filhas, bem como nos dramas juvenis de cada uma, na novela o conflito é conduzido basicamente por tia Fausta — que, no livro, se chama tia Chiquinha e tem pouco destaque — e por Cristina, mimada e de caráter duvidoso. Alguns personagens do livro foram suprimidos e vários outros foram criados ou alterados para servir aos propósitos da novela.

“Quero uma rivalidade de amor entre as duas irmãs, mas os personagens masculinos ainda estão obscuros. Fiz pelo menos doze esquemas de enredo, para fixar os personagens Fernando e Evaristo. Enveredei por vários caminhos falsos, rasgando muitas páginas (…)”, conta Carolina em suas memórias.
A Folha de S. Paulo de 7 de setembro de 1987 (data de estreia da novela) explicava:
“Bambolê se passa nos primórdios da bossa nova. A data-início da novela é 1958. Como pano de fundo, o autor colocou Ipanema, no Rio de Janeiro, entre outros monumentos da época, como o presidente Juscelino Kubitschek, que construía Brasília. (…) Daniel Más retirou muito do material para a novela de sua própria experiência. Em 58 tinha 15 anos. Viveu em Ipanema. Mas com a ajuda dos autores Silvio de Abreu e Gilberto Braga, escolheu o livro base para a novela: Chama e Cinzas, de Carolina Nabuco. Foi com eles que Más preparou a sinopse.”

Foi o primeiro trabalho de Guilherme Leme, Denise Fraga e Cláudia Lira na TV Globo.
O livro de Carolina Nabuco é uma boa dica de leitura, como escreveu Manoel Carlos na reedição de 1979: “Chama e Cinzas reaparece nas livrarias muito oportunamente, uma vez que continuamos carentes de romances bons e, ao mesmo tempo, acessíveis ao leitor comum, que gosta de ler (como é hábito dizer) “da primeira à última página, sem conseguir parar”.”
Carlos Alberto Silva escreveu sobre Chama e Cinzas na coluna Livros, da edição de 6 de janeiro de 1980 do jornal O Globo:
“Um belo romance, este. Nenhuma genialidade: mais uma conversa ao pé do ouvido, reconfortadora e sem paternalismo. Um estudo sobre as convenções, boas e más, em iguais condições de análise. Equilibrado, como a gentil senhora que o escreveu e, espera-se, como a modernidade das pessoas que a “redescobriram”.

Fora das livrarias desde o início dos anos 1980, o livro ganhou nova edição da editora Instante em 2019.
