Noite Interminável (1972), adaptação para o cinema do livro Noite Sem Fim, de Agatha Christie, não teve boa recepção e caiu na obscuridade
“Por causa do gênero que escrevo, serei logo esquecida”, costumava dizer Agatha Christie (1890-1976). Um exagero provocado pelo excesso de humildade desta autora extraordinária, que teve uma história de vida repleta de fatos interessantes e nunca se deixou deslumbrar pelo sucesso de sua obra. Em 85 anos de vida, Agatha escreveu 87 livros e 17 peças de teatro, com tradução para mais de 100 idiomas. Sem falar nos romances publicados sob o pseudônimo de Mary Westmacott.

Sua biografia é riquíssima e minha ideia não é condensá-la aqui, tarefa que não faria jus à profusão de acontecimentos pitorescos e curiosos na vida de Agatha. Aos admiradores da “Rainha do Crime”, sugiro Agatha Christie Autobiografia (Ed. Nova Fronteira, 1979). Aliás, no Brasil, a Nova Fronteira garimpou o filão e manteve os livros de Agatha sempre nas listas dos mais vendidos entre a segunda metade dos anos 1970 e a primeira dos 1980. Na verdade, Agatha nunca sai de moda e sua legião de fãs se renova a cada década.

A partir dos anos 2000, a editora L&PM passou a lançar os livros de Agatha na coleção L&PM Pocket. Mais recentemente, a Harper Collins também tratou de reeditar os livros da autora, renovando, mais uma vez, o interesse por sua obra. A vasta série de títulos de Agatha Christie pode ser facilmente encontrada em livrarias e sebos pelo Brasil, em edições e editoras das mais diversas.



Resgato aqui um livro de Agatha cuja adaptação cinematográfica passou batida: Noite sem Fim (Endless Night). Na época da publicação original do livro, em outubro de 1967, Agatha admitiu em entrevista à revista The Times que Noite sem Fim “é muito diferente de tudo o que fiz até hoje — mais sério, realmente uma tragédia. (…) Em geral, levo três ou quatro meses para fazer um livro, mas escrevi Noite sem Fim em seis semanas. Se conseguimos escrever rapidamente, o resultado é mais espontâneo. (…)”


Quando escreveu o livro, a autora estava com 75 anos e surpreendeu a crítica ao dar voz a Michael Rogers, um rapaz de classe operária. Ele se casa com uma rica herdeira norte-americana e vai morar com ela no Campo do Cigano, um lugar que parecia perfeito para começar uma vida a dois. Mas como nos romances de Agatha Christie nada é o que parece ser, o Campo do Cigano guarda grandes mistérios. O jovem casal é alertado por uma cigana sobre os “perigos” de viverem naquele local “amaldiçoado”. Mesmo assim, eles permanecem ali. É quando um acidente fatal acontece e uma trama monstruosa começa a se desenrolar.

Isso é suficiente para aguçar a curiosidade dos interessados em Agatha, já que não pretendo estragar as surpresas dessa leitura tão envolvente. Li esse livro há muitos anos, quando era adolescente, e achei um dos mais marcantes da autora. Porque mesmo sendo fã dela, convenhamos, muitos de seus livros se parecem na estrutura da história, apesar das soluções dos crimes serem sempre surpreendentes. Mas Noite sem Fim, com foco mais no psicológico do que no mistério, tem uma aura extremamente soturna e foge um pouco do estilo característico das histórias de detetive de Agatha.

Em 1972, o livro ganhou uma versão para o cinema, Noite Interminável, do diretor britânico Sidney Gilliat. O filme, apesar de razoavelmente bom, está muito aquém do livro. Se compararmos a adaptações posteriores de histórias de Agatha para o cinema, como Assassinato no Expresso do Oriente (1974) ou Morte no Nilo (1978), Noite sem Fim é um filme modesto. Nem obteve muita visibilidade, talvez devido à direção ineficiente e a algumas atuações talvez questionáveis.



Com a recepção ruim do filme na Inglaterra, não chegou a ser lançado nos EUA. O elenco nem tão conhecido assim (Hywel Bennett no papel de Michael, Hayley Mills como sua esposa, e a sueca Britt Ekland vivendo Greta) também não ajudou muito. Hywel e Hayley já tinham certo entrosamento por terem atuado juntos em A Morte Tem Cara de Anjo (Twisted Nerve, 1968).



O nome mais famoso é o de George Sanders e, ironicamente, esse foi seu penúltimo filme. O ator cometeu suicídio cinco meses antes do lançamento. Ficou famoso por filmes como Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940), Correspondente Estrangeiro (Foreign Correspondent, 1940), Sansão e Dalila (Samson and Delilah, 1949) e A Malvada (All About Eve, 1950), pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Noite Interminável foi ainda o ´ultimo filme do diretor Sidney Gilliat (que também o produziu e roteirizou). Estreou nos cinemas do Brasil em março de 1974 e, assim como nos outros países, não teve repercussão. Ironicamente, o filme, mesmo britânico, obteve certa popularidade na Itália (mais do que em seu país de origem). Sidney Gilliat expressou admiração pelo título italiano — Champagne per due dopo il funerale (“Champanhe para dois depois do funeral”) — e lamentou não tê-lo imaginado para o título original de seu filme.

O filme foi lançado em VHS no Brasil pela VTI.
