Drama de horror psicológico pouco lembrado hoje em dia, A Inocente Face do Terror é uma pequena obra-prima de Robert Mulligan
Filmes de terror protagonizados por crianças costumam ser os mais assustadores. Principalmente se elas, em vez de vítimas, são as causadoras do mal. Nesse caso, fica difícil saber até que ponto são, de fato, as vilãs ou se, no fundo, não passam de vítimas.

Os exemplos no cinema são inúmeros: Tara Maldita (The Bad Seed, 1956), A Aldeia dos Amaldiçoados (Village of the Damned, 1960), Os Inocentes (The Innocents, 1961), A Profecia (The Omen, 1976), Anjo Malvado (The Good Son, 1993) e por aí vai. Infelizmente alguns filmes ótimos acabam caindo no esquecimento e se tornam verdadeiros tesouros escondidos. A Inocente Face do Terror (The Other, 1972) é um deles. Assisti pela primeira vez na Globo, em uma madrugada de domingo, em meados dos anos 1990. Muito tempo depois ,comprei a fita de vídeo. Na época, ainda não havia sido lançado em DVD no Brasil.

O diretor, Robert Mulligan, é o mesmo de O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962) e Houve Uma Vez Um Verão (Summer of ’42, 1971). O filme é a adaptação do romance The Other, (1971) de Thomas Tryon, roteirizada pelo próprio autor.

No Brasil, o livro foi publicado pela primeira vez em 1972, com o título Os Gêmeos, da Artenova, também responsável por outra edição do livro na década de 1970, reintitulada O Outro. Em 2019, ganhou nova edição brasileira, da editora Escotilha, mantendo o título O Outro.


É um filme de clima, de ambiente. Nele, os dois lados — o “bom” e o “mau” — ganham vida com os irmãos gêmeos Niles e Holland, de 10 anos (vividos respectivamente pelos irmãos Chris e Martin Udvarnoky). Mas, à medida que a história avança, esse limite entre inocência e maldade vai se tornando menos claro. Enquanto Niles é gentil e querido por todos, Holland se mostra arredio, autoritário e frio. Mas não dá para dizer, ao certo, que um é o bonzinho e o outro o malvado.


Tudo se passa numa fazenda em Connecticut, em 1935. Niles e Holland brincam e correm soltos pelas redondezas, como qualquer criança dessa idade. Mas criam um mundo só deles, repleto de mistérios, aventuras e segredos. A mãe, em depressão, parece nunca ter superado a morte do marido, pai dos meninos. Niles tem muita afinidade com a avó Ada (Uta Hagen), que o ensinou um curioso jogo mental. Porém, coisas estranhas acontecem na fazenda e o filme parece nos mostrar, aos poucos, que os irmãos conhecem a razão dos acontecimentos.


De tempos em tempos, surgem atores mirins extremamente talentosos, que nos deixam boquiabertos com suas interpretações. A maioria acaba sumindo ou seguindo novos caminhos. Outros têm um destino menos feliz e se envolvem em escândalos, crimes ou abuso de drogas. No caso de Chris Udvarnoky, que fez magistralmente o papel de Niles, a morte o tirou de cena. Na verdade, quando ele faleceu em 2010, aos 49 anos, já não era mais ator. A Inocente Face do Terror foi o único filme que ele fez (assim como o irmão Martin). Tanto que isso nem chegou a ser mencionado em seu obituário (o que é de se estranhar, pois trata-se de um filme elogiado pela crítica e apreciado por muitos).


Após o longa, os gêmeos levaram uma vida bem comum, mas bem longe dos holofotes. Se a decisão foi deles ou da família, ninguém sabe ao certo. Talvez tenham optado por não seguir o caminho dos astros mirins do cinema e tentaram ‘apagar’ de suas experiências a participação no filme. Tanto que jamais voltaram a fazer outro. É possível que também não quisessem ser lembrados como os diabólicos gêmeos de um filme de terror. O fato é que Chris estudou, se formou e tornou-se técnico em radiologia. Morreu precocemente de doença renal policística.

A Inocente Face do Terror estreou nos cinemas norte-americanos em maio de 1972. No Brasil, a estreia foi um ano depois. Para os padrões de hoje, o filme seria considerado lento. Mas a tensão psicológica é irresistível. Não há monstros gosmentos nem tripas espalhadas, mas a atmosfera bucólica e ensolarada vai se tornando cada vez mais soturna e assustadora.

Valério Andrade, em sua crítica escrita para o jornal O Globo (9 de maio de 1973), elogiou o longa e ressaltou a importância dos atores que representam os irmãos no filmes:
No elenco, sem nomes conhecidos do público, vale salientar a presença da dupla Chris Udvanorky & Martin Udvanorky. Escolhido entre mais de 75 pares de gêmeos, eles, como queria Thomas Tryon na seleção feita no estúdio da Fox, “são mais do que uns garotos graciosos que saibam dizer corretamente os diálogos. Têm de ser absolutamente reais aos olhos do público”.
Mais do que reais, são diabólicos e o sobrevivente atribui ao morto os atos (ou brincadeiras?) cometidos durante o transe maléfico. Do irmão, ele guarda, além da lembrança, uma caixinha com um anel num dedo…
Para quem ainda não viu o filme, uma dica: quanto menos detalhes você souber de antemão, melhor.