Curvas cósmicas que marcaram época


Dee D. Jackson, cantora britânica de sucesso meteórico, chegou a ter uma versão brazuca que popularizou sua imagem no Brasil

Os concept albums (em português, “álbuns conceituais”) sempre me atraíram. Mesmo quem não os conhece com essa classificação, já se deparou com alguns deles, mesmo que não soubesse.

Normalmente, na música pop, o disco de um artista ou grupo traz uma série de músicas sem ligação de uma com a outra. No caso do concept album, as músicas, juntas, contam uma história, lidando com o mesmo tema. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, é considerado o primeiro concept album. Mas um dos meus favoritos é Cosmic Curves, da inglesa Dee D. Jackson. Aquela mesmo, a “do robozinho”.

Depois de trabalhar anos com outros artistas, Dee D. (cujo nome verdadeiro é Deirdre Elaine Cozier) lançou seu primeiro compacto em 1977, Man of a Man, que não chegou a ser incluído em nenhum de seus álbuns. A música passou despercebida. No ano seguinte, entretanto, ela lançou aquele que se tornaria seu maior sucesso: Automatic Lover. A música ficou em 4º lugar na parada de singles da Inglaterra e em 1º na Argentina, Itália, França, Espanha, Turquia e Japão, além de atingir altas posições em outros países.

Automatic Lover foi o carro-chefe do álbum Cosmic Curves, lançado em meados de 1978 e produzido por Gary Unwin e sua esposa Patty. O sucesso no Brasil foi imediato, impulsionado pela inclusão de Automatic Lover na trilha internacional da novela Dancin’ Days. Tanto que a mídia tratou de produzir uma versão brazuca de Dee D. Jackson.

Regina Shakti, vestida e maquiada exatamente como a cantora inglesa, era acompanhada por um robô ou meteor man (nome do segundo hit da cantora) e apresentada nos programas de TV como Dee D. Jackson! Nada como a ingenuidade dos anos 1970… Um detalhe: o nome foi ligeiramente alterado, para ‘D. Dee Jackson’ (em vez de Dee D. Jackson) para evitar problemas com royalties.

Regina Shakti (à esquerda) e a Dee D. Jackson original

Sônia Abreu, responsável pela distribuição dos discos de Dee D. Jackson pela RGE Fermata no Brasil, foi quem teve a ideia. Ao matricular-se na escola de ioga de Regina, Sônia viu na jovem uma semelhança com a cantora inglesa. A expressão corporal de Regina também impressionou Sônia, que propôs a ela dublar Dee D. Jackson nos programas de TV do Brasil. Regina topou. “Não posso afirmar que ser D. Dee Jackson me fascina, mas também não me desagrada”, declarou ela, na época. “Não procuro imitá-la e sim interpretá-la, compondo um tipo de acordo com a música cósmica que ela canta”. Mas tudo isso ficou no passado. Tempos depois, Regina tornou-se quiróloga e presidente do Instituto de Yoga de São Paulo. Entre seus clientes assíduos, Xuxa, Cláudia Raia, Marília Gabriela, Cláudia Ohana, Gilberto Gil e muitos outros famosos.

Dee D. Jackson (original)

Voltando à Dee D. Jackson original, a cantora marcou época graças à sua figura exótica e sexy, sempre com roupas colantes e inspirações futuristas. Nas apresentações de TV e no videoclipe – que virou ícone da cultura pop – a cantora aparecia com um robô prateado. Daí a alcunha brasileira de “música do robozinho”. A contracapa da edição nacional do LP Cosmic Curves trazia a narrativa que costurava as músicas do álbum:

Estamos no século XXI. Uma jovem desiludida por seu “AMANTE AUTOMÁTICO” (AUTOMATIC LOVER) decide deixar a Terra num “VÔO INCANDESCENTE” (RED FLIGHT) e se perder no espaço em busca de um amor sobre o qual lhe haviam contado. Ela alcança a “GALÁXIA DO AMOR” (GALAXY OF LOVE) e é lá que encontra o que tanto havia procurado. O “HOMEM METEORO” (METEOR MAN) lhe deixa tão deslumbrada que ela se sente em estado total de torpor. Envolvida por tal relacionamento, ela se acredita a própria “VÊNUS, A DEUSA DO AMOR” (VENUS, THE GODESS OF LOVE). Porém, neste Universo, amar é proibido e a “POLÍCIA GALACTICA” (GALAXY POLICE) leva-a para a prisão, onde aguardará seu julgamento. E quando aparece diante do júri, sua única defesa é afirmar que seu encantamento provinha de suas “CURVAS CÓSMICAS” (COSMIC CURVES). Mas os jurados, inflexíveis, obrigam-na a deixar o planeta e viver para sempre nas Cavernas Negras. E a medida que vai se “PERDENDO PELO ESPAÇO” (FALLING INTO SPACE) ela continua a defender a si própria e ao direito de amar as pessoas de todo Universo.

Outra faixa do álbum, Meteor Man, foi lançada como compacto no final de 1978 e também fez muito sucesso ao longo de 1979. Apesar de ter lançado outro álbum, Thunder & Lightning, em 1980, o declínio da disco music fez com que Dee D. perdesse espaço. Ela ainda continuou gravando até 1986, mas sem grande sucesso. Atualmente vive na Itália, onde possui uma gravadora. Mas será eternamente lembrada por suas curvas cósmicas e seu indefectível robô prateado.

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QUEM SOU EU

Daniel Couri, formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília, fã de cultura pop e autor dos livros Made in Suécia – O Paraíso Pop do ABBA (Página Nova, 2008) e Mamma Mia! (Panda Books, 2011). 

danielcouri@obscuradoria.com.br

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