Com o diabo no corpo


Mais de 50 anos depois de O Exorcista, Linda Blair ainda é lembrada por seu papel no filme, embora sua história de atriz e ativista vá muito além

Linda Blair se acostumou aos holofotes desde cedo. Começou aos 5 anos, como modelo infantil e, em seguida, atriz. Aos 12, já tinha aparecido em dezenas de comerciais e centenas de catálogos publicitários. Foi quando sua vida deu uma guinada: escolhida entre 600 outras garotas, ganhou o papel de Regan, a menina possuída pelo demônio no filme O Exorcista (The Exorcist), de William Friedkin, em 1973.

Rapidamente catapultada para a fama internacional, ganhou o Golden Globe e tudo indicava que o Oscar também seria dela naquele ano. Mas quando vazou a notícia de que algumas partes do filme não haviam sido feitas por ela (a voz demoníaca foi dublada por Mercedes McCambridge, e 8 segundos de cena foram feitos por uma boneca) as chances da jovem atriz de ingressar no time dos melhores de Hollywood decaíram.

No set de O Exorcista, com o diretor William Friedkin
Com seu Globo de Ouro

Injustiças à parte, nos anos subsequentes ela deu continuidade à sua carreira e protagonizou uma série de bem-sucedidos filmes para a TV. O primeiro deles, Inocência Ultrajada (Born Innocent, 1974), ficou em 1° lugar entre os telefilmes naquele ano. Drama de Uma Adolescente (Sarah T. – Portrait of a Teenage Alcoholic, 1975) também marcou época na TV americana. 

O Exorcista II – O Herege (1977)

Em 1977, o demônio voltaria a atacar. Linda estrelou, ao lado de Richard Burton, O Exorcista II – O Herege. A sequência, no entanto, foi fracasso de crítica e de bilheteria. Para piorar, na época, a atriz foi pressionada por amigos a comprar cocaína. Descoberta, foi julgada e pegou três anos de liberdade condicional, em troca de uma multa de U$ 5 mil e prestação de serviços sociais. O incidente ganhou mais destaque na mídia do que se podia imaginar e Linda, com apenas 18 anos, ficou queimada em Hollywood. A partir dali, sua carreira pendeu para os filmes B e participações especiais na TV.

Em 1978, Linda protagonizou o telefilme Verão do Medo (Stranger in Our House / Summer of Fear, 1978), que também teve alto índice de audiência e tornou-se um dos mais cultuados entre os fãs da atriz.

Em Verão do Medo (Stranger in Our House / Summer of Fear, 1978)

Em 1979, uma mudança de ares: com Roller Boogie, o universo colorido e musical das discotecas de patinação serviu de cenário para uma ingênua — e kitsch — aventura dançante (que também não colou). Detalhe: a maioria das cenas de patinação de Linda foram feitas por ela própria e não por uma dublê.

Com Jim Bray em Roller Boogie (1979)

Em 1981, Linda participou de Noite Infernal (Hell Night), embarcando no gênero de terror slasher, recém-descoberto, que dominou a década de 1980. Embora a carreira da atriz nunca mais tenha retornado aos dias de glória experimentados na época de O Exorcista, Linda provou que espírito esportivo era seu forte. Sempre bem-humorada, não se deu por vencida e continuou trabalhando dignamente. 

Em Noite Infernal (Hell Night, 1981)

Nos anos 1980, entre os vários filmes que protagonizou, dois se tornariam cult: Correntes do Inferno (Chained Heat, 1983) e Ruas Selvagens (Savage Streets, 1984). “Não estou fazendo isso como obra de arte, nem porque esse seja meu desejo”, disse ela em uma entrevista para o Los Angeles Times, na época. “Tampouco é por alguma crença pessoal ou filosofia. Estou apenas trabalhando.”

Explorando a imagem sexy nos anos 1980

Tentando deixar para trás o estigma de “garota possuída”, Linda não teve medo de explorar seu lado sexy e mais picante nesses filmes do começo dos anos 1980. Nem o improvável e conturbado namoro com o cantor Rick James (que compôs para ela a canção Cold Blooded, hit de 1983) fez com que a atriz deixasse a peteca cair.

Apesar de tantos altos e baixos, Linda parece não guardar ressentimento dos “traumas” do passado. Em 1990 parodiou a si própria no divertidíssimo A Repossuída (Repossessed), junto com Leslie Nielsen.

Mas o que guia sua vida hoje é a paixão pelos animais. A paixão, no entanto, é desde sua infância. Atualmente ela comanda a Linda Blair WorldHeart Foundation, organização não-governamental dedicada ao resgate e reabilitação de animais abandonados, doentes ou que sofreram violência. Seu trabalho em prol dos bichos já lhe valeu vários prêmios, entre eles, de organizações como a P.E.T.A. (People for the Ethical Treatment of Animals / Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais).

Há mais de 50 anos, a atriz permanece um ícone de Hollywood e uma figura querida da TV americana. Tanto que ela foi uma das sorridentes e simpáticas juradas no terceiro episódio da sexta temporada (2014) de RuPaul’s Drag Race, para delírio de seus antigos (e novos) fãs.

Com RuPaul no programa RuPaul’s Drag Race (2014)

Nenhuma das “polêmicas” que envolveram a carreira de Linda Blair têm muita importância hoje. Seu lado ativista é, de fato, o centro de sua vida. Na época da tragédia causada pelo furacão Katrina, por exemplo, ela resgatou e transportou pessoalmente mais de 50 cães perdidos pela cidade, após a catástrofe.

Em O Exorcista – O Devoto (The Exorcist: Believer, 2023)

Cinco décadas após o lançamento de O Exorcista (1973), a franquia ganhou mais um longa: O Exorcista – O Devoto (The Exorcist: Believer, 2023), com o retorno de Ellen Burstyn e uma aparição-relâmpago de Linda Blair, mãe e filha, respectivamente, no original de 1973.

Apesar de não ser necessariamente um filme ruim, o resultado de O Exorcista – O Devoto ficou aquém do esperado, talvez pela difícil missão de retomar um sucesso como O Exorcista, um dos maiores clássicos de terror de todos os tempos.

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QUEM SOU EU

Daniel Couri, formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília, fã de cultura pop e autor dos livros Made in Suécia – O Paraíso Pop do ABBA (Página Nova, 2008) e Mamma Mia! (Panda Books, 2011). 

danielcouri@obscuradoria.com.br

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