Malhado pela crítica à época de seu lançamento, Xanadu tornou-se um dos filmes mais amados dos anos 1980 décadas depois
Dirigido por Robert Greenwald para a Universal Pictures, Xanadu (1980) é um dos clássicos kitsch mais adorados do cinema. Mas nem sempre foi assim. À época de sua estreia, o filme foi execrado pela crítica, apesar do imenso sucesso da trilha sonora.


Estrelado por Olivia Newton-John (na época, a sensação do momento), Gene Kelly (um dos maiores astros de Hollywood) e Michael Beck (que, apesar de não ser necessariamente famoso, havia sido a revelação de The Warriors – Os Selvagens da Noite no ano anterior), o filme tem uma trama no mínimo inusitada: Zeus envia do Olimpo uma musa, Kira (Olivia Newton-John), para inspirar um jovem artista gráfico, Sonny (Michael Beck), desiludido com sua profissão.

Sonny faz pinturas para capas de discos, mas sente-se frustrado porque seu talento não é valorizado por seu chefe tirano. Ao mesmo tempo, Danny McGuire (Gene Kelly) é um empresário aposentado também frustrado por ter deixado de lado seu passado de músico em big bands. Sonny conhece Danny por acaso e os dois tornam-se amigos. Kira aparece para inspirar os dois, que unem seus sonhos em um só: a inauguração a roller-disco que dá título ao filme. No meio disso, Kira e Sonny se apaixonam, claro.

Aliás, o nome Xanadu é uma referência ao poema Kubla Khan, do poeta romântico inglês Samuel Taylor Coleridge, de 1797, no qual ele fala de um lugar simbolicamente ideal e utópico, de beleza e prazer; uma espécie de “paraíso”.

Xanadu teve sua pré-produção iniciada como um musical para faturar na moda da roller-disco (misto de discoteca com pista de patinação), muito popular no final dos anos 1970 até o comecinho dos 1980. A partir daí, misturou, além de elementos das décadas de 1970 e 1980 (como sintetizadores, patins e disco music), modismos dos anos 1940, como as big bands ao estilo de Glenn Miller. Se a mistura funciona, não importa. No final das contas, o filme virou “uma apoteose kitsch e antológica, com Gene Kelly pagando mico na cena final”, como um programa sobre cinema da extinta TV Manchete o descreveu.

Isso só conta pontos a favor do filme, claro, uma deliciosa incursão no mundo das comédias românticas musicais, como podemos dizer… pouco convencionais, para ser bem contido. Açucarado e colorido, Xanadu surpreendeu pela ousadia ao colocar Gene Kelly, uma lenda viva do cinema musical — astro de filmes como Cantando Na Chuva — no papel de um dos protagonistas. E o bom velhinho ainda mostra que consegue se equilibrar sobre patins! É isso mesmo, aos 68 anos de idade. Genial. Pena que foi seu último filme.

Tudo isso é embalado por uma trilha sonora ma-ra-vi-lho-sa, com canções inesquecíveis de Olivia Newton-John e do grupo Electric Light Orchestra (ELO), também super em alta nos anos 1970. Hits de Olivia como Xanadu, Magic, Suddenly (dueto com Cliff Richard) e da ELO como All Over The World e I’m Alive (todos compostos especialmente para o filme) são populares ainda hoje. Até Gene Kelly fez dueto com Olivia em Whenever You’re Away From Me, onde recriam um aconchegante clima de anos 1940. As canções de Olivia foram compostas por John Farrar, seu empresário, enquanto as da ELO foram compostas por Jeff Lynne, líder do grupo.


As filmagens começaram no segundo semestre de 1979. Porém, muitos problemas atingiram a equipe de produção: o principal deles era a falta de um roteiro pronto (e precisava?). Os roteiristas eram obrigados a reescrever cenas o tempo todo, o que acabou afetando o trabalho dos atores. Outro problema foi o orçamento, antes modesto, e que acabou saindo do controle com a adição de grandes efeitos especiais, campanhas publicitárias excessivas (antes mesmo do término das filmagens) e a construção de um set que custou mais de um milhão de dólares.
Mesmo com as eventuais mudanças de rumo no roteiro, Xanadu não foi fruto de uma viagem de LSD de seus roteiristas (como pode parecer). Excessos à parte, foi baseado na história de um filme de 1947, Quando os Deuses Amam (Down to Earth), com Rita Hayworth no papel da musa inspiradora que desce à Terra e se apaixona por um mortal.

Com o término das filmagens, teve início um grande esquema publicitário, que envolveu desde programas especiais de Making Of na TV até lojas (como a C&A) vendendo roupas inspiradas nos figurinos do filme, revistas, pôsteres e outros badulaques. Porém, o que mais divulgou Xanadu foi sua trilha sonora, um enorme sucesso no mundo todo. A estreia nos Estados Unidos foi em 8 de agosto de 1980. Apesar de ter coberto seus custos, o filme não deu grande lucro por lá, mas fez boas bilheterias em países como Austrália, Japão, Alemanha e aqui no Brasil.

Aliás, o filme chegou aos cinemas brasileiros em 25 de dezembro de 1980, bem no Natal. A trilha sonora, no entanto, já havia sido lançada aqui em outubro daquele ano.
Como de costume, a crítica brasileira se dividiu. A Folha de S. Paulo de 25 de dezembro de 1980 detonou o filme sem dó nem piedade, enquanto O Globo foi bem mais generoso e chegou a ver pontos positivos no longa.
Luciano Ramos, da Folha, chamou a história de “debiloide e perniciosa” e considerou o filme “um horror que custou milhões de dólares, empregando 237 bailarinos e patinadores”. Como se não bastasse, referiu-se à Olivia Newton-John como “medonha” e disparou:
Poucas vezes cantoras tão insignificantes tiveram tamanho apoio promocional. O rosto precocemente envelhecido já determina o uso de lentes especiais e as pernas, grossas demais, obrigam-na a andar sempre de botas ou meias protetoras. Além disso, só consegue mostrar-se menos vulgar que o “galã” Michael Beck.

Ramos já abre sua crítica deixando clara sua opinião:
Os que já se encontram contaminados pelo vírus da discotheque e do “roller-skate” poderão achar Xanadu um filme maravilhoso. Como essas duas epidemias, entretanto, já se encontram em fase de declínio, é provável que não tenha o sucesso de “Fama” e “All That Jazz”.
Para não dizer que não falou de flores, Ramos ressaltou:
Como não podia deixar de ser, uma das únicas cenas decentes do filme apresenta o talento de Gene Kelly. Trata-se de um “pas-de-deux” com Olivia onde o veterano não só mostra que ainda sapateia, mas dá-se ao luxo de realizar piruetas.

Por outro lado, Salvyano Cavalcanti de Paiva, na coluna O bonequinho viu, do jornal O Globo (27 de dezembro de 1980), pegou mais leve:
[Xanadu] está longe de representar uma renovação de estilo ou enfoque como, por exemplo, o recente “Fama” ou até mesmo “Hair”. Sobrevive pela vivacidade de Olivia Newton-John e a categoria impecável de Gene Kelly, cuja leveza, ao executar um dueto com a estrela, é surpreendente para quem tem 68 anos. Kelly sapateia como se tivesse 20 anos menos.
Paiva faz uma análise interessante:
Há uma boa reprodução cenográfica de época, quando Kelly relembra seus bons tempos de 1945. Mas a proposta do filme não é nostálgica e sim um hino à juventude, ao sonho, à ambição do triunfo individual pela crença no bom combate. De certo modo, uma fantasia bem enquadrada na filosofia americana de que, apesar dos pesares cotidianos, vale a pena viver.
E conclui sua crítica com um olhar condescendente:
Mas, apesar da pressa de finalizar dentro de um tempo de projeção comercial, amontoando trechos musicais cuja maior parte permaneceu na sala de montagem, vale como um espetáculo repleto de alegria.


Nos EUA, a crítica foi unânime ao classificar o filme como insosso e mal dirigido. O crítico Roger Ebert afirmou: “Xanadu é uma fantasia musical sem graça e fraca, tão sem substância que constantemente evapora sob nossos olhos”. No entanto, com o passar do tempo e com os anos 80 voltando à moda, a crítica reconheceu o valor de Xanadu como entretenimento. O respeitado crítico James Berardinelli publicou uma crítica, 26 anos após a estreia do filme, dizendo que “Xanadu pode até não ter atingido as ambições originais de seu diretor mas, ao falhar tão espetacularmente, se tornou algo maior”. Não deixa de ser um reconhecimento.

Xanadu ainda inspirou — junto com o filme do Village People A Música Não Pode Parar (Can’t Stop The Music) — a criação do Troféu Framboesa. O curioso é que Olivia Newton-John recusou o papel principal feminino em A Música Não Pode Parar (que acabou sobrando para Valerie Perrine) justamente para estrelar Xanadu. Mas não houve escapatória: os dois filmes estrearam praticamente juntos e tiveram o mesmo destino: críticas péssimas, apesar das trilhas sonoras imensamente famosas. Sem falar no grande feito de terem inspirado a o famígero Troféu Framboesa.

Após o fracasso comercial do filme, pouco se falou sobre ele até o início de um revival da década 1980, no começo dos anos 2000. A trilha sonora foi recuperada em festinhas do gênero e o filme caiu no gosto de diversas tribos: a dos fãs de filmes trash (pelos efeitos considerados ingênuos e risíveis para os dias de hoje), os fãs de camp (pelas atuações, figurinos e roteiro exagerados), fãs dos anos 1980 (por ser o grande marco do final da era disco e antecipar a estética da década) e dos LGBT (pelo visual exuberante, por trazer a Olivia Newton-John no elenco e pela trilha sonora disco).

Curiosamente, Xanadu estreou na TV brasileira também na temporada de Natal, como havia acontecido nos cinemas do Brasil. Em 26 de dezembro de 1987, o filme foi exibido pela primeira vez em nossa TV aberta, no Supercine, da Globo. No dia anterior, a chamada anunciava: “Amanhã: Xanadu, onde os sonhos se tornam realidade! Um grande sucesso do cinema com Olivia Newton-John e Gene Kelly. Supercine especial, amanhã, depois de Mandala”.

Em 2007 o filme ganhou até versão na Broadway, com direção de Christopher Ashley. Em 2012, foi a vez de uma versão brasileira, dirigida por Miguel Falabella e vertida para o português por Artur Xexéo. As versões teatrais, no entanto, não repetiram a popularidade do filme.