Páginas amareladas de um Brasil distante


Com o objetivo de difundir a leitura no Brasil, a Coleção Saraiva publicou, entre as décadas de 1940 e 1970, grandes obras da literatura nacional e estrangeira

Na década de 1940, a editora Saraiva desenvolveu um projeto para popularizar a leitura no Brasil. Nascia, assim, a Coleção Saraiva, “publicação mensal que constitui uma homenagem à memoria de Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva”, fundador da firma, como era explicado nos próprios livros.

Com modesta divulgação na época, a iniciativa mostrou-se frutífera e atravessou as décadas de 1950 e 1960, com grande sucesso e representação para a cultura do país. Como já acontecia com a Editora Clube do Livro, a proposta da Saraiva era lançar livros de escritores brasileiros e estrangeiros, com recursos gráficos de qualidade e preços acessíveis. Brochura, papel imprensa e distribuição em larga escala: com essa fórmula, autores importantes e bem conhecidos como Alexandre Dumas, Voltaire, Dostoivéski e Machado de Assis misturavam-se a nomes mais novos como Maria José Dupré, Orígenes Lessa, Lucia Miguel Pereira e Alberto Leal. 

Uma vez por mês, a partir de julho de 1948, era comercializado um livro pelo então moderno sistema de assinaturas. O primeiro foi O Rei Cavaleiro, do historiador e ensaísta Pedro Calmon, sobre a vida de D. Pedro I.

Anúncio da coleção publicado no jornal O Globo (26 de agosto de 1948)

A coleção chegou a mais de 230 títulos diferentes, com capas de forte apelo popular, coloridas, criadas em sua maioria pelo ítalo-brasileiro Nico Rosso, ilustrador e desenhista de histórias em quadrinhos. Inicialmente ele dividia a tarefa com outros profissionais, mas a partir de 1949 tornou-se o capista exclusivo da coleção, que duraria até 1972.

Nico Rosso

Charles Dickens, José de Alencar, Máximo Gorki, Raul Pompéia, Malba Tahan, Oscar Wilde, Robert L. Stevenson, Assis Brasil, Honoré de Balzac… São centenas de autores, dos mais diversos, pelos quais se tem uma ideia da qualidade das obras que eram publicadas. 

Antonio Olinto, em sua coluna O Globo nas letras, publicada em 15 de agosto de 1952 no jornal O Globo, destacou o alto nível da coleção:

A Coleção Saraiva tem mantido um nível gráfico, e de escolha de livros, digno de todos os elogios. Um ou outro romance pode não ser obra-prima, pela própria necessidade editorial de atender a u grande público. De vez em quando, porém, ótimos romances são lá publicados. O livro de agosto [1952] da Coleção Saraiva é “Iaiá Garcia”, de Machado de Assis. Embora não seja dos melhores do autor, o simples fato de a editora incluir um romance de Machado na coleção diz muito do desejo de seus responsáveis em que o nível, de que falei, seja mantido. Em setembro, a Saraiva apresentará “Terras de Sonho”, de Ferreira de Castro, e, em outubro, “Os Dramas do Mar”, de Herman Melville, o romancista que se situa entre um dos dez melhores de todos os tempos.

Os exemplares tinham tiragens de até 50 mil livros — número altíssimo para a época — e leitores de várias classes sociais. Vale lembrar que as livrarias daquele tempo nem de longe se assemelhavam às megastores de hoje e tampouco contavam com a infinidade de títulos nacionais e estrangeiros disponíveis atualmente. O público leitor também era menor, razão pela qual a Coleção Saraiva teve um papel importante na popularização desse hábito no Brasil. Além de destacar autores estrangeiros clássicos, os nacionais ganharam visibilidade.

Títulos hoje muito familiares como Éramos Seis (Maria José Dupré) e O Feijão e o Sonho (Orígenes Lessa) ficaram conhecidos graças à popularidade da coleção. Outros perderam-se no tempo, mas constituem um retrato precioso do período, como Confidências de Dona Marcolina (Galeão Coutinho), Em Surdina (Lucia Miguel Pereira), Sedução da Europa (Cassiano Nunes), O Banco de Três Lugares (Maria de Lourdes Teixeira), A Ladeira da Memória (José Geraldo Vieira) e muitos outros, hoje praticamente esquecidos ou fora de catálogo. Acho particularmente fascinante mergulhar nesse universo de obras que perderam-se no tempo. Fica a dica para os ratos de sebos, agora que a Coleção Saraiva acumula quase oito décadas.

Conforme publicado na seção A Semana e os Livros, na edição de 9 de junho de 1972 do jornal O Globo, a Coleção Saraiva encerrava suas atividades após mais de duas décadas:

Com a publicação de Lucíola e Guerra dos Mascates, vols. I e II, a Saraiva complementa os 287 volumes dessa coleção, iniciada há vinte e quatro anos. Segundo os editores, “de certo modo consideramos nossa missão cumprida, pois foram anos de grande satisfação íntima, em que nosso único objetivo foi o de difundir mais cultura em nosso país, propiciando aos amantes da boa leitura a aquisição de algumas das melhores obras da literatura nacional e estrangeira, a preços populares”.

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QUEM SOU EU

Daniel Couri, formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília, fã de cultura pop e autor dos livros Made in Suécia – O Paraíso Pop do ABBA (Página Nova, 2008) e Mamma Mia! (Panda Books, 2011). 

danielcouri@obscuradoria.com.br

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